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Necromancia

O título da série, assim como da primeira aquarela, flui a partir da leitura de A tempestade, livro de William Shakespeare. No texto de apresentação da obra, o tradutor José Francisco Botelho, em determinada passagem, cita a obra Glossographia, publicada em 1656 por Thomas Blount, que definiu arte mágica como:
“A sabedoria ou contemplação das ciências celestiais divide-se em dois ramos; a Magia Natural, que é legitima e fundamenta toda Física verdadeira e a sabedoria oculta da natureza, sem a qual toda Razão e todo o Conhecimento dos homens é Ignorância; a outra é Diabólica, supersticiosa e ilegítima, se chama Necromancia: através da qual os homens ganham conhecimento com a assistência de espíritos malignos”.
No trecho apresentado, exemplifica-se a relação de legitimidade da magia de Prospero, protagonista da obra A tempestade, contrapondo-se a feiticeira Sycorax, que teria poderes abertamente diabólicos. Refletindo sobre essa passagem, realizo a Necromancia a partir desse conhecimento “oculto” ou “do mal”, que é recebido pelo meio “ilegal” e pela “marginalidade”.

Sobre as obras

Necromancia: surge como abstrações do próprio culto, assim como das performances, que são parte do todo e os desdobramentos são fragmentos desse processo. A fragmentação da aquarela Necromancia é o ponto de partida visual, que se reflete na paleta de cores e nas formas em outras obras.
Fragmento – Lavra: inspirada nos primeiros croquis e rascunhos da primeira performance, a ideia era tentar entender como essa materialização do outro corpo ocorre no espaço do ar: sobreposição de duas espacialidades. Durante os diálogos na Seita, o Lavrado era algo que tivemos contato a partir de relatos, então a referência visual surgiu do imagético em comparação ao Banhado.
Fragmento – Manjedoura: inspirada no figurino da segunda performance: a construção de uma árvore com a copa invertida, sem frutos e que as raízes se voltam para baixo. Pensando na forma do baobá, porém transparente, nos levando para o plano astral. O corpo enquanto ponte entre essa terra além do material, refletindo a manjedoura como espaço do materno e do sagrado.
Fragmento – Lycosidae: o título é o nome científico de uma família de aranhas, que inclui as espécies conhecidas popularmente por aranhas-lobo, em uma tentativa de elaborar visualmente a ideia da quarta performance: um aracnídeo que tece os tecidos da realidade, do espaço e do tempo.
Fragmento – Propagação: inspirada no indivíduo membro da Seita, que comunica e propaga a ideia desse coletivo, a obra comunica a energia interna transcendendo o corpo para além da comunicação verbal e física.
Fragmento – Afago: é repensar o carinho feito nesse corpo como instrumento ritualístico, o toque e o encontro dos corpos que se transmutam para algo maior que eles mesmos.
Fragmento – Asherah: é a mãe dos deuses, simbolizando o amor, o sexo e a fertilidade. É a deusa proibida, sendo elaborada a partir das corporalidades visuais representadas por Henri revendo o visual desse local fértil.
Fragmento – Putrefato: inspirado nos primeiros croquis da terceira performance, que tinha como frase provocativa “o verdadeiro espetáculo é sobreviver nas várzeas de uma necrópole. Meu fetiche é existir”.
Fragmento – Jardim: tentativa de representar uma aliança que surgiu de maneira subjetiva no coletivo, uma egrégora criada no espaço de Seita.

Processo Criativo

A partir dos diálogos e das reuniões presenciais, a primeira aquarela surge com uma abstração com intuito de uma materialização visual das ideias e rascunhos que refletissem os diálogos e croquis criados para as performances.
Dentro da produção, a artista buscou trazer a técnica que utiliza em seus trabalhos individuais, o método crítico paranoico: técnica surrealista desenvolvida por Salvador Dalí no início da década de 1930. Ele o empregou na produção de pinturas e outras obras de arte, especialmente aquelas que envolviam ilusões de ótica e outras imagens múltiplas. A técnica consiste em invocar um estado paranoico. Entretanto, usei essa técnica de uma maneira diferente. Para essa série, usei do estado paranoico nas questões debatidas em reunião, então entrava em um estado de reflexão profunda dos elementos.
Em sua poética pessoal, Dae Lee tem como proposta deixar o espectador se projetar nas obras, ou seja, deixar que ele crie abstrações em cima do seu trabalho. Nesta série, ela se permitiu abstrair imagens da aquarela Necromancia, por isso, ocorre a fragmentação. As obras como um todo são a Necromancia.

Ficha Técnica

Produção, conceito e narrativa: Dae Lee.

Referências

William Shakespeare (1611). A Tempestade. Tradução de José Francisco Botelho, Companhia das Letras: São Paulo.
Thomas Blount (1661). Glossographia, or, a dictionary interpreting the hard words of whatsoever language.
Ana Luisa Alves Cordeiro (2007). Asherah a Deusa Proibida. Revista Aulas, Dossiê Religião Nº 4. Disponível aqui.
Virgili Ibarz e Manuel Villegas (2007). El método paranoico-crítico de Salvador Dalí. Revista de Historia de la Psicología, volume 28. Disponível aqui.
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