As Marginais
Esta é uma série de objetos artísticos de técnica mista, mesclando colagens, sobreposições, desenhos, ilustrações e poesias concretas. As Marginais é um convite para repensar a história da imprensa e se perguntar: quais são os verdadeiros perigos do mundo urbano e quem te ensinou a ter medo dos outros. Afinal, quem são os outros?
Todas as experimentações foram construídas por cima de recortes de jornal que estampavam matérias sensacionalistas e mentirosas, que causaram grande comoção social em suas respectivas épocas de publicação, sendo exemplos marcantes de Pânicos Coletivos. O título da série busca exaltar a marginalidade em conjugação feminina, mas também fazer uma rima poética com as grandes Marginais Urbanas que constantemente são citadas nos noticiários, como a Marginal Tietê, a Marginal Pinheiros e tantas outras. As Marginais guardam histórias.
Sobre as obras
A Manchete (1) apresenta uma sobreposição de duas matérias de jornal, uma que diz “garoto emasculado por maníaco” e outra, ao fundo, que diz “na constituinte da seita L.U.S Zuita será Satã no Terceiro Milênio”. O Lineamento Universal Superior era uma instituição social, com estatuto e formalização jurídica. Haviam, na instituição, pessoas que afirmavam se comunicar seres espirituais e ufológicos, como Zuita, mas o grupo essencialmente reunia uma grande diversidade de pessoas interessadas em viagens, experiências culturais e filosofia esotérica em geral.
Não haviam rituais organizados na instituição, muito menos sacrifícios ou qualquer tipo de culto baseado na entrega sistematizada de oferendas. Não existe nenhuma evidência que sustente algo minimamente parecido com isso. Mais importante: nenhum dos integrantes do Lineamento jamais esteve envolvido nos crimes de Guaratuba/PR. Eles sequer estavam na cidade durante o desaparecimento das crianças.
A Manchete (2) é composta pela mesma sobreposição de mensagens, mas as intervenções manuais adicionam diversas frases como “quem tem medo da rua?”, “quem tem medo do Mandú?”, “quem tem medo do Tarot de Morgana?”, “quem tem medo da navalha de Daena?”, “quem tem medo da quebrada?”, “quem tem medo dos rituais?”, “quem tem medo dos marginais” e “quem tem medo da cidade?”. Essas perguntas nos convidam a refletir sobre o medo como uma ferramenta de controle.
A Manchete (3) coloca duas capas de revista uma acima da outra. Na primeira, podemos ler “tragédia: este menino foi morto em um crime satânico” e “magia negra, os rituais que ameaçam as crianças”. Na imagem abaixo dessa podemos ler a pergunta “Juíza assistiu sessões de Tortura?” e a afirmação “Eu vi Celina, seminua, sendo torturada. Parecia um pesadelo”. Os Sete Inocentes de Guaratuba, que ficariam eternamente marcados pela mídia como As Bruxas de Guaratuba e Os Pais de Santo de Guaratuba, foram brutalmente torturados para confessar um crime que não cometeram.
Beatriz Abagge, Celina Abagge, Osvaldo Marcineiro, Vicente De Paula, David do Santos Soares, Ailton Bardeli e Sérgio Cristofolini, pessoas que mal se conheciam, foram agrupadas do dia para a noite e viveram anos de terror, julgamentos e linchamentos após serem brutalmente violentados por policiais para confessar que sacrificaram crianças em um suposto ritual de candomblé. As intervenções na obra inserem frases como “Estado Laico Moralista”, “Estado Impune”, “Grande Farsa sem salvador”, além da palavra “Cristo”, escrita na testa da criança que foi desrespeitada ao ter sua morte usada como pretexto para torturar inocentes.
A Manchete (4) também apresenta reportagens contra o Lineamento Universal Superior e sua matriarca, Valentina de Andrade. As matérias a comparam a assassinos como Charles Manson e Jim Jones, dois assassinos em série que são – importante que se diga – homens, brancos e cristãos, o oposto dos Sete Inocentes de Guaratuba ou mesmo Valentina e seus filhos, como ela mesmo chamava os integrantes de seu Lineamento. As intervenções desta obra incluem nas reportagens frases como “eu entendi o templo e ergui uma torre sobre o mundo” e “eu sou a fonte, eu fui forjada”.
A Manchete (5) apresenta mais uma sobreposição de reportagens sobre o LUS, com uma grande intervenção vermelha grafada com um grande “Por que não vc?” e manchas que simulam sangue.
A Manchete (6) é construída sobre uma sobreposição de trechos da icônica reportagem de José Louzeiro onde ele afirma que a “Multinacional do Diabo” sacrificaria crianças em todo o país, conectando diversos crimes que não tem nenhuma conexão real entre si com o único objetivo de gerar pânico na sociedade. Diversas intervenções são feitas nesta obra, como uma sequência da palavra “Morto”, repetida várias vezes em contraste a desenhos que simulam cortes sangrando.
A Manchete (7) fala sobre ao Caso Escola Base, onde uma escola foi acusada de abusar sexualmente de crianças e filmar os abusos para que pudessem ser comercializados em redes de pedofilia. As reportagens ostentam frases como “Kombi era motel na escolinha do sexo”, mais um caso onde racismo, xenofobia, misoginia e sensacionalismo destruíram a vida de inocentes. Diversos riscos e grafismos são inseridos nesta obra com frases e palavras como “Escola (Particular) é acusada de prostituição”, “não compre” e “Não se compra conhecimento”.
A Manchete (8) é constituída pela grande reportagem intitulada “escola é acusada de prostituição”, sendo coberta por manchas vermelhas que formam um rosto em pânico.
Processo Criativo
As matérias de jornal foram selecionadas e montadas por Mandú, depois foram imprimidas e esses materiais impressos sofreram intervenções manuais por Dae Lee, Henri Ferraz e Mariana Thais.
Ficha Técnica
Seleção e colagem das reportagens: Mandú.
Intervenções: Dae Lee, Henri Ferraz e Mariana Thais.
Retoques digitais: Mandú.
Referências
Gaston Bachelard (1996). A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes. Trabalho original publicado em 1960.
Alex Ribeiro (2000). Caso Escola Base – Os Abusos Da Imprensa. Rio de Janeiro: Atica.
Ivan Mizanzuk (2015-2023). Projeto Humanos: O Caso Evandro. Disponível aqui.
Ivan Mizanzuk (2015-2023). Projeto Humanos: Altamira. Disponível aqui.
Valmir Salaro (2022). Escola Base – Um repórter enfrenta o passado. Globoplay.
Esta imersão digital é parte do Cultos Marginais, projeto nº 37/2022 beneficiado pelo Edital n° 001/P/2022 de Criação e Temporada do Fundo Municipal de Cultura de São José dos Campos. O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva dos autores e não representa a opinião dos membros do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Cultura ou da Fundação Cultural Cassiano Ricardo.